Filmes de Natal nada natalinos
Mas que, garanto: aquecem o coração e trazem toda aquela coisa de altruísmo, bondade, esperança e todos os outros conceitos água com açúcar que alguém pode imaginar - quem não gosta de doçura?
Eu amo o Natal.
Não sou cristã, e portanto longe de praticar o catolicismo, o protestantismo ou qualquer outra religião que pudesse me aproximar, talvez, do Divino.
Mas eu garanto que tento ser uma pessoa boa. Acredito em gentilezas; acredito em ser alguém que pode ajudar quem identifico que precisa da minha ajuda ou de qualquer tipo de luz; sempre tento fazer doações para causas e/ou pessoas que sei que precisam, quando posso; e, finalmente, penso antes de falar com as pessoas, por mais delicado ou sensível que seja o assunto, para evitar sofrimentos alheios. Ah: tenho uma empatia crônica e preocupante também, misturada a um medo de errar no jogo da socialização. Mas isso aí já entra no campo de martírio, e ninguém precisa disso agora (rsrsrs).
Eu amo essa época do ano precisamente por causa do caráter meio etéreo que alguns lugares ganham, fisicamente mesmo. Decorações com luzes, músicas com órgãos e sinos… fica tudo um pouco mais fictício que real, e para quem ama histórias e cinema é um prato cheio para ficar feliz. Mas… estranhamente, eu não tenho tanto afeto assim por filmes de Natal.
Talvez porquê, com o nosso costume brasileiro de importar decorações e entretenimento do Tio Sam, eu não me relaciono totalmente com as histórias contadas nos filmes mais “clássicos” de Natal. Fico com a sensação de que quase nada mostrado vem de um lugar de honestidade narrativa, mas sim de uma necessidade de venda e consumo.
Porém sem mais chatices da minha parte ou delongas, fica aqui, portanto, minha lista de filmes que apesar de não serem exatamente natalinos (com neve e cores de Natal), aquecem meu coração com o espírito da coisa.
Drive My Car
Admito: esse não é só para mim um filme com espírito de Natal sem Natal para essa lista. Ele é, também, um dos meus filmes favoritos da vida.
Drive My Car, que ganhou notoriedade em 2022 na corrida para o Oscar sendo o candidato do Japão (e levando o prêmio de Melhor Filme Internacional), é uma história contundente que faz a gente pensar nesse tal de outro em relação à gente, e como mesmo esse outro sendo quem amamos, um universo de coisas que existem dentro de cada pessoa e que nem sempre acessamos está existindo junto a nossos lutos, medos, esperanças e dúvidas.
Na história, um ator renomado de teatro, Yusuke (Hidetoshi Nishijima), volta à ativa após perder sua esposa dois anos atrás. Convidado para dirigir uma peça de Tio Vânia em Hiroshima, ele acaba encontrando mais que um trabalho na produção do espetáculo: confronta, numa metalinguagem delicada mas brutal ao mesmo tempo, suas percepções da falecida esposa e sua vida, além da ideia de encontrar plenitude e encarar traumas por meio do que faz. Nessa jornada, a motorista contratada para dirigir para ele nos deslocamentos do trabalho, também se torna uma peça essencial em sua mudança pessoal, provando que algumas almas se encontram e tocam umas às outras profundamente em momentos da vida cotidiana, na ternura de existirmos e sentirmos até demais os baques da vida.
Dirigido por Ryusuke Hamaguchi
Disponível na Mubi e Netflix - legendado, sem opções de dublagem ou audiodescrição.
Marcel, a Concha de Sapatos
Lágrimas, esperança, aprendizados e fofura: dá para sentir tudo isso enquanto se assiste uma pequena concha interagindo de forma tão viva e delicada com o mundo ao seu redor: incluindo o filme em si.
Aqui, uma pequena concha chamada Marcel é filmada num estilo de documentário, contando sua vidinha em miniatura numa casa, que antes era habitada por toda sua família que infelizmente precisou se mudar, mas acabou deixando o pequeno Marcel e sua amada vovó para trás, por acidente.
Nessa doçura de longa, a gente percebe o mundo pela perspectiva de uma criatura pequena, mas cheia de vitalidade e trejeitos únicos que fazem a gente, ao final, se perguntar sobre o que estamos valorizando em nossas relações e como a gente pode tentar ser melhor e ir atrás daquilo que a gente acredita e quer, mesmo que pareça impossível: a emoção talvez acima da racionalidade, para nos provar que nem sempre as coisas mais racionais são as mais aconchegantes ou que fazem sentido para nós.
Tudo isso é contado com uma excelência técnica fascinante no processo de dar vida para algo tão pequeno como uma concha. Nós acreditamos e torcemos por Marcel porque existe um nível incrível de beleza única na forma de filmar, dublar e criar essa criaturinha tão adorável.
Dirigido por Dean Fleischer Camp
Disponível na Amazon Prime Video - legendado ou dublado, com opções de audiodescrição em inglês.
Orgulho e Preconceito
Talvez seja clichê, mas eu realmente amo essa adaptação do livro de Jane Austen, de 2005.
E, por amá-la tanto, o quentinho que sinto no coração todas as vezes em que a assisto passa por mim com o mesmo calor que o de abrir um presente daqueles que você sente todo carinho, dedicação e delicadeza, sabe? Aqui também foi uma obra consegui - e muitas outras garotas certamente - me enxergar em Elizabeth, a protagonista, por sua complexidade em lidar com emoções próprias e as dos outros, numa dinâmica que mesmo que sendo tão distante da minha realidade brasileira e recifense, faz sentido.
Nessa adaptação, acompanhamos os anseios e teia social de uma família peculiar inglesa que procura garantir o futuro de suas filhas por meio de casamentos; a mãe nervosa, o pai com temperança, e cada filha com suas particularidades apaixonantes atraem uma família rica e de alto prestigio social para seu círculo, onde paixões são rendidas mas também negadas; olhares e danças se tornam mais que seus atos físicos e ficamos encantados com esse pequeno cosmos.
Dirigido por Joe Wright
Disponível na Amazon Prime Video e Telecine Play - legendado ou dublado, mas sem audiodescrição.
Koe no Karachi (A Voz do Silêncio)
Esse aqui é o que chamo de pedrada emocional, mas prometo que caso você sobreviva… vai assistir a um dos filmes mais doces, sensíveis e bonitos que você já viu. Pelo menos pra mim, também tá numa (quase) lista de favoritos da vida.
Aqui, acompanhamos a história de uma menina surda tentando se adaptar a uma sociedade que já não se esforça para incluí-la. No Japão, devido a heranças culturais ancestrais e, claro, herança da Segunda Guerra Mundial, práticas eugenistas na trama social não eram raras. Obviamente, as consequências sempre se alastram por muito tempo, e essa pequena garotinha de cabelos rosas as sente de perto: um colega de classe a hostiliza e pratica bullying constante, com pitadas de capacitismo. O que ela não percebe é que ele age por aprovação social, enquanto que na realidade não a despreza como parece tanto.
O tempo passa, ambos crescem e se encontram novamente. Sentimentos mudam, a sociedade muda, as pessoas… mudam? O conflito e cerne mais interessante do filme permanece na ideia de redenção do jovem rapaz.
Existem críticas a serem feitas, talvez, sobre investir numa história onde um antigo algoz agora nutre sentimentos por sua antiga “vítima”. Mas acredito que o longa nos faz pensar muito além desse pensamento preto no branco sobre tudo isso, enquanto que oferece muito mais que um romance adolescente qualquer. Aqui, lidamos em linhas 2D com sentimentos e feridas muito reais.
Eu lembro de ter assistido a esse anime sem expectativas e confesso que até um pouco incrédula, já que muitas pessoas comentavam como ele as fazia chorar, etc tal. Só que nunca fui muito fácil de penetrar até passar da camada rochosa que esconde as salgadas águas das minhas lágrimas, mesmo com filmes e livros bem…emotivos. Aqui, foi inevitável. E garanto que lágrimas, ao menos as minhas, vão bem além da externalização de sentimentos de tristeza.
Dirigido por Naoko Yamada
Disponível na Netflix - possui legendas em português, dublagem em português mas sem audiodescrição.
Por enquanto… isso é tudo, pessoal.
Existem outros filmes que acredito combinar com o período, mas acho que caso eu comece a expandir demais a lista, perde um pouco o brilho. A ideia é tentar passar recomendações de coração mesmo, por terem me tocado em algum lugar, sem apenas agregar quantidade por agregar.
Desejo para vocês que acompanham meus textos por aqui um ótimo período natalino e de final de ano, à sua maneira e ao seu gosto. Me sinto extremamente grata por ter pessoas que de fato acompanham essas palavras formadas por teclinhas que sinto tanto prazer em juntar e montar.
Se cuidem por ai,
Alice