Eu sou infantil ou você que é uma chata?
Rivalidade feminina também é criticar uma mulher por colecionar cacarecos - mesmo em nome de uma tal liberação feminista
Tava rolando algum feed de alguma rede social quando li pela milésima vez nessa internet algo do tipo:
| ‘Que Sylvanian Families o quê minha filha, você tem mais de 20 anos!’
Vish. Calma…
Primeiro, pra que tanto nervosismo? Eu genuinamente achava que tanta energia assim só deveria ser gasta com algo que alguém realmente ama - ou odeia. Mas aí eu penso: pra quê, por quê ou pra quem é conveniente você odiar uma mulher qualquer por simplesmente… viver?
Ultimamente algumas pessoas vêm discutindo sobre como muitas meninas (que viram mulheres) abandonam cedo e rápido seus hobbies e atividades prazeirosas. Um exemplo clássico é o brincar de boneca. Quantas meninas continuaram a brincadeira? Ou ainda têm alguma boneca da infância? Em comparação, muitos homens ainda jogam bola, videogame ou se reúnem em eventos de carros, motos ou esportes. Curioso…

O padrão distinto é evidente, e sem dúvidas existe. Mesmo porque, infelizmente, até a brincadeira “de menina” muitas vezes já serve pra um propósito de implantar a vida doméstica, e só pra ela. Hoje, claro, muitas cozinhas infantis (cozinhas de mentirinha) até possuem meninos nas propagandas, mas isso não apaga a história ou semiótica a qual isso tudo foi crescendo sobre. Daí imagina minha surpresa ai ler esta belíssima (só que não) reflexão, quase culpando uma mulher por simplesmente ter cometido o crime social de comprar bonequinhos flocados com o próprio dinheiro (!)… bizarro. Bizarro que uma amada dessas realmente sinta ódio de uma semelhante por não ter abandonado aquela parte de infância e bem estar que um dia já sentiu.Realmente não entendi qual seria a intenção ou ideia por trás de uma reclamação assim.
Pra mim é quase como um ataque pessoal, não vou mentir: eu mesma coleciono os Sylvanian Families e outras bonecas. Quando criança, me interessei por pequenas mulheres de plástico até meio tarde em comparação com colegas, mas quando me apaixonei… bem, fiquei meio lelé das ideias, já que meu cérebro autista hiperfocou em bonecas e todo seu magnetismo. Pra mim, desde criança, a graça era ter bonecas e mantê-las em um estado expositivo, alinhadas e categorizadas. Perder um sapatinho sequer pra mim era o fim do mundo. Minhas bonecas duraram muito tempo graças a essa forma meio atípica de “brincar”, e até uns 13 anos eu tinha várias da infância. Quando aprendi a fotografar e me interessei por fotografia como profissão, as bonecas estavam ali pra mim e por mim: sem julgar, sem me bombardear com inseguranças e palavras ruins. Elas só ficavam ali, exatamente como eu queria ou precisava… e isso ninguém fazia por mim. Não era sobre controle, era sobre possibilidades e segurança.

Me pergunto se essa noção de que brinquedos servem apenas pra crianças não acaba sendo nociva pra nossa relação com o mundo quando a gente cresce. No fim do dia, a alienação pra gente sobreviver a trabalhos chatos, famílias insuportáveis e afins se restringe a televisão ou redes sociais na contemporaneidade. Não que brinquedos sejam livres do mundo e todo seu complexo emaranhado de questões e CEOs e investidores, mas eles pelo menos são físicos, palpáveis e devem ser seguros pra maioria de nós. Então por que raios eu iria querer parar de me fascinar com eles só por quê cresci?
Pra não estender meu próprio devaneio sobre tudo isso - e como na real nem acredito em todo conceito de crescer etc. Eu irei me restringir a perguntar: será que essas meninas de mais de 20 anos são infantis? Ou você que virou uma chata sem hobbies e quer descontar a frustração da vida adulta em quem não tem nada a ver com seus problemas? E assim, pergunto isso numa boa mesmo. Será que às vezes não é o caso de analisarmos nossas amarguras e tentar entender porquê o comportamento inofensivo de alguém incomoda tanto

Existe, claro, uma preocupação em nome de um suposto feminismo sobre papeis e agentes exageradamente infantis perfumados por mulheres. Só que essa crítica, ainda que partindo da militância necessária e nobre dos direitos das mulheres, é essencialista e reducionista. Eu mesma já caí na armadilha de pensar por um instante sobre, por exemplo, as críticas feitas à cantora Sabrina Carpenter, me inclinando a concordar com elas. Ela foi bem criticada porque suas roupas e trejeito serelepe passariam uma imagem de fantasia masculina sobre mulheres infantis, bobas, com trejeitos e vestimentas que lembras as de crianças. Bem… eu realmente pensei sobre isso. Pensei e lembrei de algumas coisas interessantes: na história da moda ocidental, laços, saltos e perucas na verdade eram usadas por homens. Quanto mais adornos, maior a ideia de poder. Daí também lembrei que o estilo Lolita, popularmente associado à sua origem no Japão, ressignificou laços e rendas usados por mulheres - aqui, nos anos 80 e 90, quando surgiu, não era nada comum uma menina ou mulher se adornar assim, e elas não eram vistas como infantis, mas sim como subversivas da moda alternativa por usarem signos e símbolos dessa regência e estética de poder de tempos ocidentais de outrora. Era como se garotas tivessem decidido que iriam usar essas roupas e construir essa imagem para si mesmas, mesmo não sendo comum ou visto como bonito. Pensando ainda mais (tudo isso por causa das críticas a uma cantora pop) me provoquei com uma pergunta: a gente diz pra homens não usarem bermudas coloridas e tênis brilhantes por serem roupas também infantis? A gente cria uma sociedade onde símbolos da infância masculina são armados para culpabilizar eles por abusos ou violências? A gente critica a indústria de brinquedos que associa o masculino ainda quando criança a bonecos e brinquedos de armas, guerra e destruição? Tenho certeza que o GI Joe não acumula tantas críticas como a Barbie nesse contexto.
Entendendo que o mundo existe e as agendas perigosamente conservadoras podem cooptar estéticas e funções de gênero para seus próprios interesses, ainda assim eu acho que garanto pra você que está lendo:
as bonequinhas de uma mulher de 30 e poucos anos não vão ser o que a torna responsável por atrocidades contra os direitos humanos e das mulheres ao redor do mundo.
Inclusive, essa ideia de que precisamos ser culpadas ou culpar umas às outras o tempo todo é perigosa e faz bem mal para nossa saúde mental coletiva no ethos do “feminino”- presumindo que ele ainda existe, claro. Rivalidade feminina não é só quando uma amante e uma esposa gritam entre si por conta de um homem traidor. Acredito que suas manifestações mais sorrateiras estão no dia dia, naqueles pensamentinhos mesquinhos que podem passar pela cabeça quando observamos outra mulher. E sabe do quê? Faz bem afastar e corrigir esses pensamentos.
Portanto,
Por mais que você ainda assim ache ridículo ou infantil que eu ou qualquer outra adulta colecionemos bonequinhas, cacarecos e ursinhos, só lembre que tá todo mundo tentando, e na internet (ou na vida do cara a cara mesmo) ninguém precisa agir com falta de gentileza. Se não é gentil ou útil, ainda mais pra quem você nem conhece à fundo, é melhor só não externalizar. 🧚🏼
E enfim:
Obs 1: estendo a crítica válida nos casos de mulheres que se comportam como crianças para venda de conteúdo adulto. Sim, isso existe, e por mais que trabalhadoras sexuais precisem muitas vezes fazer muita coisa questionável para garantirem a sobrevivência, acho que agir como uma criança inocente e gravar conteúdo remetendo a abuso nunca é aceitável - e não dá para, no caso de muitas delas, dizer que são vítimas por isso. São agentes e possuem também sua culpa no cartório, por mais que obviamente o maior asco seja o fato que tem muito cara que compra esse tipo de coisa. Errgh.
Obs 2: acho interessante que, esse tipo de crítica que trago no começo do texto, já vi partir de mulheres que falam mal de outras pelos seus interesses e hobbies mas defendem cineastas abusadores ou pedófilos. JURO que vi uma anti-querida dessas na minha timeline do twitter - parei de seguir na hora, claro. Passa pano pra homem bosta mas quer criticar as coleguinhas que compram boneca? Eu hein. Esquisito isso aí.
Dadas as observações e tudo mais, obrigada por ler. Sinto que de muitas formas acabei desabafando sobre esse assunto, que acaba me tocando há uns anos desde minha adolescência - quando algumas pessoas achavam que eu tava muito “mocinha” pra ainda estar comprando boneca. 😬
Sejam sempre felizes nos seus termos, e gentis sempre que possível;
um abraço,
Alice
Infelizmente algumas pessoas reprimem suas vontades, seus sonhos, desejos. O ser humano é livre, em seus pensamentos e atitudes, é muito chato algumas pessoas criticarem alguém que gosta de bonecas, se na maioria das vezes, essas mesma boneca fizeram parte da infância delas. A criança que gostou de jogar bola, continuam jogando mesmo adulto, mas ninguém fala nada, engraçado né? Que haja mais respeito por favor.
Eu ganhei meu primeiro e único bichinho do Silvanyan já com 26. Adoro meus bichin. Abro, brinco, leio o livrinho, dou risada e guardo. Pronto. Meu namorado joga o mesmo cacete de jogo desde os 11 e não é infantil 🫠 óbvio que entre isso e se infantilizar existe um ABISMO. As mulheres que querem parecer crianças e agem de forma infantilizada para pedofil0s e predadores fazem toda uma performance pra isso, não simplesmente tem um objeto, jogo ou hobbie.